domingo, 3 de abril de 2011

"Quando a nossa NAU naufragou". 03 de Abril de 1963

Faz hoje precisamente 48 anos que tudo aconteceu. Todos nós nos lembramos desse dia; só quem estava na Fragata naquele momento é que pode contar todo aquele inferno. Eram 16 horas e 45 minutos do dia 3 de Abril de 1963. Estávamos a lanchar, era um quarto de pão de 17 tostões com marmelada, quando de repente toca o clarim avisando do incêndio. Como só estava há dois dias na fragata, para mim foi tudo muito estranho. Obedecendo às ordens do Sargento de dia e do Marinheiro Fogueiro, nós os mais novatos também começamos a acartar baldes de água salgada em celhas para apagar o incêndio, mas sem sucesso. O incêndio tinha-se iniciado no porão, e foi provocado pelos operários quando efectuavam trabalhos de reparação com soldaduras a oxigénio. Quando os meios de bordo já não eram suficientes para apagar o fogo, então salve-se quem puder! Foi uma voz que se ouviu ao longe. Para encher um balde era preciso muito tempo e as bombas de água de baldeação não debitavam água suficiente; ― era muito pouca água. Quando o fumo já era demasiado nas cobertas, subimos para o tombadilho, parte superior da Nau, e quem subisse já não podia descer. Foi por esse facto que os escaleres se encheram de PUTOS todos enfarruscados; ― muitos dos 10 aos 14 anos, eram os mais pequenos, juntamente com os dois operários que faziam o trabalho de soldadura, saltaram todos para os escaleres. Ninguém queria ficar do lado do convés para arrear o escaler, porque, como todos se queriam salvar (como é lógico naquelas circunstâncias) então os Putos, mesmo dentro do escaler foram-no arreando de uma forma desordenada, tendo arreado mais de um lado e, devido ao peso, e o escaler ficou pendurado somente de um lado. Os Putos caíram ao trambolhão para o rio Tejo, e eu e o Adolfo aguentamos a estucada e gritávamos agarrados aos acentos juntamente com mais Putos, enquanto que na água já se procedia ao salvamento de outros que estavam em risco de se afogar. Eram barcos de pescadores; o Gasolina da fragata e a lancha do navio balizador da Marinha de Guerra, NRP Almirante Schultz que estava ao largo, todos participando no salvamento dos alunos e no combate ao incêndio. Só depois é que apareceram os Bombeiros de Cacilhas com auto tanques num Cacilheiro, mas nessa altura já toda a Nau agonizava em chamas da proa à poupa. Entretanto, nós os Putos continuávamos ali à espera que nos salvassem, pendurados no escaler, sentindo o calor abrasador saído das vigias ali muito próximas de nós, foi quando eu disse ao Adolfo: ― Antes quero morrer afogado do que queimado! Atirei-me à água. Com o meu pouco saber em nadar e sem ter pé, batia pernas e braços sempre a pedir socorro, até chegar a uma lancha do barco de guerra distante uns 20 metros, que me salvou. Todos os outros, como todos sabem, também se salvaram graças à acção destemida de outros alunos mais velhos, ficando apenas um em estado grave, que era conhecido pelo Joãozinho, que sofreu várias queimaduras no corpo. Falta a outra parte da história, que outros também saberão contar. Quando já estávamos todos reunidos nessa noite na Escola Profissional de Pesca de Pedrouços, então! Olhámos uns para os outros e alguém no fundo da camarata suspirou: ― Estamos todos vivos.

Augusto Fernando Gomes

ex-aluno nº 13 ("Torta") 1963-1966


Foto 1, 2 e 3: Vários aspectos do incêndio da Fragata D. Fernando II e Glória, no dia 03 de Abril de 1963.

Fotos 4 e 5: Os alunos da Fragata recolhidos na Escola Profissional de Pesca de Pedrouços após o incêndio. Na foto 5 podem ver-se, entre outros, o Tenente Alves e o Augusto Fernando Gomes (o primeiro a contar da direita e autor deste texto) na companhia de outros alunos recém chegados do Hospital S. José onde foram tratados a ferimentos ligeiros.

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