terça-feira, 27 de março de 2012

O meu primeiro dia na Fragata D. Fernando II e Glória (2)

Bilhete de Identidade do Agusto Fernando Gomes, aos 16 anos de idade.
O Augusto Fernando Gomes em primeiro plano (blusão castanho) na companhia do Joaquim Lopes (ao centro) e do Eduardo Massa Constâncio, ex-aluno nº 210, após um almoço no restaurante "CID" em Lisboa.
O meu destino já estava marcado. No Colégio D. Maria Pia já me tinham dito que (nem sei por que razão) eu iria ser transferido para uma velha Nau onde decerto deveria percorrer (como veio a acontecer) outros destinos na minha vida profissional. Chegado à Doca da Marinha próximo do Terreiro do Paço, lá me fizeram embarcar numa pequena vedeta que rumou a um local que para mim era totalmente desconhecido.
Apesar de estarmos em Abril, a manhã parecia estar um pouco nebulosa, quando de repente me deparei defronte de um “monstro” pintado de negro, com antigas peças de artilharia voltadas para um alvo desconhecido.
Debaixo da minha inocência e sem perceber porque é que me transferiam de um lado para o outro, entrei a bordo da Fragata com apenas 14 anos de idade e jamais me esquecerei do meu primeiro dia a bordo.
Recordo-o ainda hoje, porque foi marcante na minha idade ainda criança, mas também porque nunca compreendi como é era possível tratarem pessoas daquela forma tão cruel, precisamente no dia em que eram recebidos a bordo.
Recordo-me que naquele dia estávamos eu, o Adolfo[1], o Braz, o Victor (de alcunha “o gordo”) o Joel, o “Zé Nabo” e outros de quem não me recordo agora o nome, junto do paiol para recebermos o novo fardamento e a palamenta na companhia do Manhiça, aluno mais velho do Colégio D. Maria Pia que nos acompanhou até à Fragata. Enquanto despíamos a farda do Colégio D. Maria Pia, aquele aluno mais velho, alto, de estatura robusta, manteve-se sempre junto a nós, denotando-se na sua expressão um sentimento de pena pela despedida, onde em determinado momento lhe vi correrem as lágrimas pela face escura, tisnada num dos recantos algures em terras de África.
Depois de um abraço sentido e repartido por todas as crianças que ficariam a partir daquele momento à guarda da Fragata D. Fernando II e Glória, nunca mais o voltei a ver e, após a sua despedida, que ficou envolta num cenário de inquietação, senti uma certa saudade do colégio que nos acabava de despejar naquela velha Nau que, no meio daquele nevoeiro, mais parecia “uma barca de piratas que imergia de surpresa para atacar a sua presa”.
O Cabo “Borracha” foi quem nos distribuiu a farda, palamenta e outros utensílios que iriam fazer pate da nossa “mobília” a bordo, e a sua distribuição parecia correr com toda a normalidade quando algo de estranho aconteceu que jamais esquecerei durante toda a minha vida, pela agressividade empregue e de forma injustificada.
Depois de eu e os outros recém-chegados termos recebido tudo o que nos era devido sem quaisquer problemas, ao chegar a vez do Adolfo foi quando tudo se complicou.
Do Colégio de onde vínhamos, para além de outras disciplinas escolares tínhamos também aulas de francês e inglês, o que decerto influenciou o tipo de resposta que o Adolfo deu ao cabo Borracha quando este lhe perguntou:
Então! ― Não te falta nada. Já tens tudo? ― Ao que o Adolfo respondeu:
Yes.
Perante esta resposta, que deveria ter alguma compreensão por parte de quem a recebera, tendo em conta que fora proferida por uma criança habituada a outros costumes, eis que, de imediato o cabo Borracha respondeu:
Ai é yes?
Possivelmente, sentindo-se inferiorizado por ser confrontado com outros conhecimentos a que não estava habituado, ou sentindo-se desautorizado nas funções a que estava incumbido, eis que o cabo Borracha levanta de imediato a mão e desfecha com extrema violência uma chapada no Adolfo, que me deixou a mim e aos restantes alunos que acabávamos de chegar muito impressionados.
É claro que já se passaram bastantes anos do ocorrido, e este episódio parece não ter nenhuma importância, mas o facto de termos sido recebidos daquela forma e com aquela agressividade, decerto que impressionou e moldou de certa forma a personalidade de todos os que presenciaram aquela cena.
A mim marcou-me profundamente, e ainda hoje recordo aqueles momentos, pois considero que crianças carentes de afectos e que deambulam de colégio em colégio não deviam ser tratadas daquela forma por adultos que, para exercerem aquelas funções deveriam ser dotados de alguma compreensão e alguma formação para lidar com este tipo de situações, mas também conhecimentos que decerto não lhes eram prestados, dado que aquelas instituições apenas tinham como objectivo esconder da sociedade a miséria que grassava em muitos lares, não sendo por isso obrigatório a colocação de profissionais de educação a bordo, bastando recrutar à marinha quadros que apenas ali iriam fazer um frete e preencher um vazio até ao final da sua carreira.
Augusto Fernando Gomes
(“Torta”)
Ex-aluno nº 13
(1963 – 1967)
27 de Março de 2012

[1] Adolfo Manuel de Abreu Dias, ex-Aluno nº 12 da Fragata D. Fernando II e Glória, falecido em 2010.

quinta-feira, 15 de março de 2012

V Encontro Nacional dos Antigos Alunos da Fragata D. Fernando II e Glória

Clique nos documentos para os ampliar


Informamos todos os antigos alunos, seus familiares e amigos, que no dia 2 de Junho de 2012 (Sábado) se vai realizar o V Encontro Nacional dos Antigos Alunos da Fragata D. Fernando II e Glória. O Encontro vai realizar-se na localidade de Bombarral, com concentração pelas 11,00 horas junto ao Continente/Modelo, seguindo-se a recepção e convívio pelas 11,30 horas e almoço às 13,00 horas no Restaurante Zélia.
Para o efeito, já foi enviada para todos os antigos alunos que constam da nossa listagem correspondência com toda a informação sobre o evento, ao que esperamos que correspondam com a vossa presença, na companhia dos vossos familiares e amigos.
As inscrições devem ser efectuadas com alguma antecedência e até ao dia 15 de Maio, para os seguintes contactos:
Joaquim António Pereira Lopes
Avenida Dr. Joaquim de Albuquerque, nº 15
2540-004 Bombarral
Telemóvel: 967970171
Para se inteirarem de todos os pormenores sobre o evento, devem clicar em cima dos documentos que se editam (para os ampliar e tornar a sua leitura mais visível), onde está incluída toda a informação necessária sobre o mesmo, informação idêntica à que foi disponibilizada e enviada para todos via postal.
Certos de que irão responder ao nosso apelo por ser mais uma oportunidade de vivermos momentos de convívio e de fraterna confraternização entre antigos alunos, companheiros e amigos, aguardamos com expectativa pela vossa presença.
Até lá um abraço
A Comissão Organizadora
Augusto Gomes
Carlos Vardasca
Joaquim Lopes
José Alves

quarta-feira, 14 de março de 2012

O estandarte da Fragata "D. Fernando II e Glória" regressa à Marinha

Foto 1: Estandarte salvo pelo Cabo João Borracha e entregue à Marinha
Foto 2: O cabo João Borracha (de pé) junto dos alunos da fanfarra, no regresso de uma deslocação.
 
(...) Foi entregue à Marinha, na pessoa do chefe de gabinete do Almirante CEMA, o antigo estandarte da Fragata "D. Fernando II e Glória" à data do incêndio do navio. Foi portador o CTEN MN Nobre Moreira, conterrâneo de um sobrinho do cabo clarim Manuel João Borracha que prestava serviço no navio.
O estandarte fora entregue pelo cabo Borracha ao seu sobrinho alguns anos antes do seu falecimento em 1991, e de acordo com o seu testemunho, no dia do incêndio que destruiu quase totalmente o navio, fora o cabo Borracha, monitor e clarim do navio que, encontrando-se a bordo, decidiu salvar o estandarte, retirando-o das chamas e trazendo-o consigo quando se lançou à água.
Verificando que o navio se encontrava irremediavelmente perdido, pensou em mantê-lo à sua guarda, preservando assim uma recordação de mais de doze anos cumpridos a bordo.
À medida que os anos foram passando, o segredo que o cabo João Borracha guardava consigo tornou-se angustiante, por não poder partilhar com ninguém esse episódio, parte das suas memórias, e ainda com receio de por o ter ocultado demasiado tempo poder vir a sofrer qualquer represália ou castigo.
Decidiu então entregar o estandarte a este seu sobrinho, manifestando a vontade de, após o seu falecimento, ele vir a ser entregue à Marinha. Este seu familiar, sabendo da recuperação e restauro da Fragata, cumpriu agora a sua vontade para que o estandarte regressasse ao lugar donde saiu há mais de 38 anos. Assim, o referido estandarte depois de restaurado será entregue ao Museu da marinha, tendo como destino a sua anterior unidade. Curiosamente, a Revista da Armada publicou na sua edição nº 337, Dezembro de 2000, no verso da capa, uma fotografia inédita, onde o cabo clarim João Borracha, de pé no autocarro, acompanhava como monitor os alunos da Obra Social da Fragata no regresso de uma deslocação (...)

Nota: Texto transcrito da Revista da Armada nº 344, Ano XXXI, página 26. Julho de 2001

domingo, 11 de março de 2012

O meu primeiro dia a bordo da Fragata D. Fernando II e Glória

Foto: O Comandante Alberto Campos, ladeado pelo Tenente Alves e outro oficial, a bordo da Fragata D. Fernando II e Glória. 1960


Todos nós, ao longo da nossa infância, fomos criando em nosso redor uma imagem à semelhança dos nossos heróis, mesmo que em batalhas nunca dantes travadas. Quantas vezes, à saída dos cinemas, e inflamados com a destreza do "rapaz" do filme, nos revíamos naquela personagem, e nos sentíamos tão capazes de aplicar aquela ficção que não se encaixava numa realidade que momentaneamente fingíamos desconhecer. Quando fui para a Fragata D. Fernando II e Glória tinha apenas 13 anos, e vivi um desses momentos, ao ficar tão fascinado com a beleza daquela nau, "última das Índias".
Era uma criança que se imaginava num barco de piratas, pronto a travar outras tantas batalhas contra a pobreza que me fizera seu tripulante. Desde os canhões alinhados como se ainda espreitassem o inimigo, aos bacamartes e armas de todo o tipo que enfeitavam o seu interior, tudo me recordava a façanha dos corsários que sempre tentei imitar. Não fosse o seu comandante (Sr. Alberto Campos, Capitão de Mar e Guerra) interromper aquele sonho que se previa prolongar naquele primeiro dia a bordo, "até que o meu imaginário se dispersasse não sei por quantas ilhas à procura de um tesouro que não existia":
Então rapaz! Estás a gostar do teu primeiro dia a bordo?
Como muito envergonhado que era, em vez de lhe responder comecei a chorar. De imediato, senti-me envolvido por uns braços fortes que, pelo carinho e afecto que transmitiram, me fizeram esquecer a ausência do aconchego familiar, "como se a fita do filme se tivesse partido e a realidade recomeçasse nalgumas cenas mais à frente".
Foi assim desta forma que vivi o primeiro dia a bordo daquela velha Nau, feita Navio Escola para meninos deserdados de afectos, "mas feitos homens iguais a tantos outros, que mais tarde souberam moldar a vida com as ferramentas ali ensinadas".
Era de facto muito bela, e por isso ainda hoje me sinto órfão daquela nau.
Carlos Vardasca
(Braz, ex-Aluno nº 14 – 1963-1978)
Nota: Pequeno texto editado em 18 de Setembro de 2007

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Fragata D. Fernando II e Glória na imprensa

(...) "A D. Fernando" é considerada pelo "Cols Bleus", revista da marinha francesa, edição nº 2073, de 24 de Março de 1990, como o 8º navio de guerra mais antigo do mundo e consta no "Internacional Register Of Historic Ships", publicação editada com o patrocínio do "World Ship Trust" - organização com sede em Londres, que tem como objectivo primário elaborar um registo internacional de navios e de outros tipos de embarcações históricas ainda existentes, já preservadas e em exibição ou merecedoras de recuperação, de restauro e exposição pública (...)

In: Revista da Armada nº 305, páginas 17,18,19 e 20. Janeiro de 1998