segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ex-Fragatas que participaram na Guerra Colonial. Uma história de vida (2)

Após a emboscada de que fomos alvo, eu e os restantes feridos aguardamos a chegada do helicóptero para sermos evacuados para o Hospital de Mueda. Norte de Moçambique, 03 de Janeiro de 1972
Aquartelamento de Tartibo onde a minha Companhia (C.CAÇ. 3309) estava aquartelada. Norte de Moçambique, 1972
Eu no Aquartelamento de Nangade junto ao Obus. Ao fundo pode ver-se o Lago Nangade e as montanhas da Tanzânia. Norte de Moçambique, 1971. (Em destaque uma foto minha quando era aluno da Fragata D. Fernando II e Glória - Setúbal 1968)

"Tão próximo do outro lado do muro"
As Berliet seguiam no seu vagaroso e agonizante andamento, enquanto que na mata circundante se multiplicavam os sons da natureza que enfrentavam a nossa indiferença.
A preocupação dos militares estava muito para além do chilrear das galinhas do mato e de outras aves tropicais que sobrevoavam as viaturas militares muito para lá da copa das árvores (também elas indiferentes aos medos que ali se faziam transportar) mas na mata cerrada, verdejante, que não deixava vislumbrar muito para além das longas lianas que ladeavam a picada e nos sacudiam o corpo à nossa passagem, “um outro cenário estava prestes a embelezar aquele anfi-teatro encharcado de incertezas”.
Estava-se em plena época das chuvas e o calendário, depois de arrancada a folha anterior mostrava agora o terceiro dia do mês de Janeiro de 1972.
Chovia torrencialmente, e as vinte viaturas tentavam (com alguma perícia dos Soldados Condutores), muito lentamente (sempre com a tracção às quatro rodas) transpor mais uma vez a "Descida dos Paus"[1], tentando controlar a direcção para que as viaturas não escorregassem para o desfiladeiro que ladeava a picada, ora com a azáfama dos restantes soldados, alguns deles em tronco nu que deixavam inundar as toscas tatuagens que garantiam fidelidades eternas, cerrando troncos de árvores para serem colocados naquele piso lamacento, cuja cor barrenta tantas preocupações e canseiras davam de cada vez que as colunas de reabastecimento por ali passavam durante a época das chuvas.
Embora com alguma demora e dificuldade, aquele obstáculo foi transposto e, depois de passarmos uma pequena ponte improvisada que já fora por várias vezes dinamitada pelos guerrilheiros da FRELIMO[2], a ansiedade parecia querer aliviar-se com a entrada numa zona da picada com o piso um pouco mais regular, o que facilitava a movimentação das nossas tropas bastante ansiosas por chegar ao Aquartelamento mais próximo (Pundanhar).
Eu seguia no "Rebenta Minas"[3] com mais quatro militares de um Grupo de Combate da Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia e da Companhia de Artilharia 2745 estacionada em Nangade (que faziam a protecção à coluna de reabastecimento em conjunto com a Companhia de Caçadores 3472[4] e que, por não nos termos apercebido do atraso das restantes viaturas, ficámos isolados e bastante vulneráveis em termos de defesa face a qualquer ataque dos guerrilheiros.
Quando nos vimos sozinhos e demos conta do nosso isolamento e antes que conseguíssemos imobilizar a viatura, ocorreram inesperadamente violentas explosões de três minas anti-carro em simultâneo e accionadas eléctricamente, na retaguarda da viatura, que a destruiu imobilizando-a de imediato.
Logo após aqueles rebentamentos foi desencadeada uma forte emboscada com armas ligeiras por um grupo avaliado entre 6 a 8 guerrilheiros da FRELIMO[5] que, sentindo-se em posição favorável face ao nosso isolamento, tentaram a aproximação à viatura ao mesmo tempo que disparavam na nossa direcção, apesar da nossa resistência.
Não fora a chegada das restantes viaturas naquele momento (que forçou os guerrilheiros a refugiarem-se na mata) as consequências poderiam ter sido bem mais dramáticas do que as que ocorreram. Daquela emboscada eu fui atingido numa mão por um tiro de Kalashnikov, e quanto aos restantes ocupantes da viatura, dois ficaram gravemente feridos (no peito e num ombro) e um outro com ferimentos ligeiros (numa perna) em resultado do disparo daquelas armas automáticas.
Efectuado o contra ataque das nossas tropas e restabelecida a calma enquanto eram prestados os primeiros socorros aos feridos, procedeu-se à abertura de uma clareira na mata com o derrube da algumas árvores para facilitar o acesso do helicóptero e efectuar a evacuação, tendo todos nós sido transportados para o Hospital situado mais a sul e no Aquartelamento de Mueda.
Foram momentos dramáticos e, sinceramente, durante toda a minha existência e desde o incêndio da Fragata D. Fernando II e Glória em 03 de Abril de 1963 a que sobrevivi com a idade de 13 anos, nunca como naquele dia me senti tão consciente de estar “tão próximo do outro lado do muro".

Carlos Vardasca
Ex-Aluno nº 14 (1963-1968)
9 de Abril de 2012


[1] “Descida dos Paus”. Itinerário muito íngreme, de piso lamacento e escorregadio devido às fortes chuvadas, sendo necessário colocar troncos de árvores para facilitar a passagem das Berliet que integravam as colunas de reabastecimento entre os Aquartelamentos de Palma, Pundanhar e Nangade.
[2] Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) Guerrilheiros que combatiam contra o exército português.
[3] “Rebenta Minas”. Berliet que seguia sempre na frente das colunas de reabastecimento, reforçada com sacos de areia para resistir ao impacto do rebentamento de minas anti-carro.
[4] Que rendeu a Companhia de Caçadores 2703 no Aquartelamento de Pundanhar em 02 de Janeiro de 1972.
[5] Registado no Relatório da Região Militar de Moçambique. Batalhão de Artilharia 2918. História da Unidade. Décimo oitavo fascículo (Janeiro de 1972) Capítulo II, página 1. Arquivo Histórico Militar de Lisboa.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ainda sobre a localização da Fragata D. Fernando II e Glória

A Fragata na doca nº 2 da ex- Parry & Son em Cacilhas. Foto tirada no dia 2 de Abril de 2011, a quando da realização do IV Encontro Nacional dos Antigos Alunos da Fragata D. Fernando II e Glória.
Mesa que presidiu à assinatura do protocolo para a docagem da Fragata na doca nº2 da ex- Parry & Son em Cacilhas. Revista da Armada nº 391. Novembro de 2005, página 28.
Com a formalização do protocolo entre a Marinha, a Câmara Municipal de Almada e a AGIL, SA assinado em 27 de Setembro de 2005, com vista à docagem da Fragata na antiga Doca nº 2 de ex-Parry & Son, e a sua posterior recuperação, verifica-se que aquela Nau, que representa para todos os portugueses  "um pedaço da nossa história" continua ali "encafuada", não sendo em nossa opinião o local mais adequado para dar mais visibilidade e rentabilidade àquele museu flutuante.
Quando em 28 de Janeiro de 2012 manifestamos aqui neste espaço a nossa opinião sobre esse assunto, em artigo denominado "A última Nau das Índias ainda está encafuada em Cacilhas" foi com o objectivo de que, quando esse protocolo findar, que as entidades envolvidas o revessem, de forma a que se pense um novo local para a Fragata D. Fernando II e Glória dando lhe maior visibilidade, como por exemplo: fundeada em frente ao Terreiro do Paço, o que seria um notável cartão de visita da cidade de Lisboa, maior acessibilidade para os cidadãos estrangeiros e nacionais que a queiram visitar, e, consequentemente, também uma maior fonte de receita que contribuiria para a manutenção da Fragata como museu.
Esta nossa opinião que a defendemos como a melhor forma de mostrar ao mundo aquilo que foi a nossa história marítima, foi também em tempos partilhada pelo então Contra-Almirante M. de Vale, num artigo de Nota de Abertura na Revista da Armada nº 199 de Maio de 1988, página 3, sob o título, "Será desta? e que dizia o seguinte:
(...) Porque sei que àcerca do local onde virá a ser exposta ao público vai correr muita tinta, lembro que a Marinha tem defendido enquadrá-la no cenário pombalino dos edifícios do Terreiro do Paço, docando-a no antigo dique do Arsenal da Marinha, como foi preconizado pelo falecido Almirante Ramos Pereira num artigo publicado nas "Anais do Clube Militar Naval" (nºs 10 a 12 de Outubro/Dezembro de 1960.
Aqui, sim - onde na época das Descobertas existiu a Ribeira das Naus -, ficaria mesmo no coração da cidade, onde pulsa também o do povo, acessível a todos visitantes, nacionais e estrangeiros, que demandam a nossa famosa capital.
Fazendo parte do Museu de Marinha, que bela propaganda faria do que fomos em tempos idos! E que grande receita para o Museu... (...)
Congratulamo-nos com esta opinião, pois verificamos que afinal não estamos sós nesta corrente que visa "desencarcerar" a Fragata de entre dois muros e a colocá-la num outro local onde fosse mais acessível a sua visita, dotá-la de uma outra visibilidade, o que contribuiria também e de uma forma muito mais eficaz para a rentabilização económica do seu próprio museu.

Carlos Vardasca
(Braz, ex-aluno nº 14 - 1963-1968)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Foi há 49 anos (03 de Abril de 1963)

Vários rebocadores participam no combate às chamas. Jornal "O Século". 04 de Abril de 1963.
Páginas do "Diário de Lisboa" do dia 4 de Abril de 1963, a noticiar o incêndio da Fragata D. Fernando II e Glória.
Outro aspecto do incêndio observado ao longe.
Bombeiros no combate ao incêndio. "Diário de Notícias" 04 de Abril de 1963
Elementos da Marinha de Guerra também participaram no combate às chamas. Jornal "O Século". 04 de Abril de 1963.
Outro aspecto do combate ao incêndio. "Diário Popular". 04 de Abril de 1963
Alunos da Fragata após o incêndio, depois de serem recolhidos na Escola Profissional de Pesca em Pedrouços. Jornal "O Século". 04 de Abril de 1963.
Outros alunos da Fragata na Escola Profissional de Pesca em Pedrouços. "Diário de Notícias". 04 de Abril de 1963.