Pelo princípio de Abril recebi um telefonema do Almirante Andrade e Silva expressando o seu interesse em visitar a Fragata D. Fernando II e Glória, durante um fim-de-semana.
A visita iria ser realizada acompanhado pela sua família e amigos.
Como era sempre sua preocupação fez questão de referir, mais uma vez, que não me preocupasse, dispensava-me de estar presente pois, tratando-se de um fim-de-semana, não queria incomodar-me.
O nosso conhecimento pessoal já vinha de longe desde os tempos em que, como Capitão de Fragata, tinha estado em diligência na Escola de Fuzileiros e me tinha solicitado, como Oficial Averiguante, apoio técnico para um delicado e complexo Processo de Averiguações, em 1976.
Assim, com os amarelos bem polidos, o convés e demais pavimentos a condizer, e com o pessoal de serviço, o Contra Mestre e eu próprio, fardados a rigor, recebemos naquele Sábado, pouco depois da 10.00h da manhã, um distinto grupo de visitantes.
A comitiva era de cerca de 16 pessoas tendo eu constatado que muitos dos seus elementos tinham sido “Mecenas” da Fragata. Os seus nomes figuravam no respectivo Livro de registo entre as mais de 470 individualidades que tinham contribuído monetariamente para que este navio fosse reconstruído.
A Fragata era a todos eles muito familiar.
Com efeito, o Almirante Andrade e Silva, no seu tradicional e belo veleiro, “O Vadio”, herdado já de seu pai e ainda com os seus filhos muito jovens, costumava rumar ao “Mar da Palha” para aí visitar o que restava da bela Fragata, após o incêndio que a tinha devorado em boa parte naquele dia 3 de Abril de 1963.
A ela atracava a embarcação e os mais novos penetravam no seu interior, ou simplesmente desfrutavam das águas circundantes até à hora do regresso a casa.
Das histórias contadas pelo Almirante aos seus filhos para os motivar para o passeio, constavam as referências à “Carreira da Índia” e ao local (Damão) onde a Fragata havia sido construída e daí que o mais novo, o Tiago, confundido com tantas referências históricas, e ajudado pela sua fértil imaginação de criança, tivesse chegado a pensar que àquele longínquo território já tinha ido.
Muitos anos mais tarde, toda a família tinha feito a bordo a viagem de Aveiro para o Alfeite, após terem terminado os trabalhos nos estaleiros da Ria Marine.
Um dos mais novos da comitiva visitante, o neto, Tomás Andrade e Silva, agora com dez anos de idade, tinha sido feito “Mecenas” 15 dias após ter nascido.
A reconstrução deste navio tinha sido e continuava a ser entre os Projectos sonhados e levados a bom termo pelo Almirante, talvez o mais querido e mais desejado mas nem por isso o mais fácil de concretizar, como é sabido.
Enquanto percorríamos as diferentes partes do navio, o Senhor Almirante ia descrevendo em pormenor e com visível agrado, a proveniência de cada um dos objectos e a forma como os tinha conseguido obter.
Muitas das peças, nomeadamente da Sala de Jantar, Sala de Estar e Camarote do Comandante, tinham sido oferecidas por pessoas da sua família ou amigos muito chegados.
Os copos em cristal, os guardanapos e respectivas argolas em prata, as toalhas de linho bordadas, os livros antigos da biblioteca, o mobiliário, tudo ou quase tudo estava intimamente ligado ao Almirante Andrade e Silva.
Eu limitava-me a ouvir com toda a atenção as suas memórias e explicações, com receio de perder em algum momento aquelas preciosas referências.
Descendo à Coberta foi a vez do filho Tiago recordar que as feições de um dos manequins da Sala de Oficiais eram decalcadas das suas e que a figura da única mulher a bordo tinha as feições da sua irmã, a Sofia.
Um dos momentos mais interessantes e curiosos estava no entanto para chegar pois aproximávamo-nos da enfermaria e do manequim do “Médico” de bordo cujas feições sempre me tinham parecido familiares.
O Senhor Almirante surpreendeu-me perguntando-me se era possível tirar uma fotografia ao lado daquele manequim; claro que de imediato dei ordens para abrirem a placa de vidro que protege aquele espaço museológico e, como o manequim ostenta uns óculos redondos, à época, perguntei-lhe se não queria colocar também ele um antigo “Pince-nez” .
O Almirante com toda a sua jovialidade “alinhou” na brincadeira e, usando o velho “Pince-nez”, que tinha sido trazido à nossa presença num ápice, colocou-se ao lado do manequim imitando a sua atitude gestual para uma fotografia tirada pelo seu filho e que, para além de imperdível, me desvendou o mistério, a cara do manequim era exactamente a cara do Senhor Almirante. Até ali ele tinha deixado a sua marca, tendo-se sujeitado a uma penosa acção de cópia da sua face para a realização do respectivo molde.
Quando subimos ao convés para terminar a visita, o Senhor Almirante abeirou-se do Mastro Grande e chamando o seu neto Tomás disse-lhe: “ Tomás leia o que está escrito nesta placa” e o Tomás passou a ler pausadamente -Ao Almirante António Manuel de Andrade e Silva homenagem pelo sonho que tornou realidade nesta fragata restaurada - Abril 1998 - Marinha de Guerra Portuguesa ”
Todos nós estávamos emocionados. Era por assim dizer uma passagem de testemunho emocional e afectivo em relação a uma obra que lhe havia sido especialmente cara.
O Almirante ficou então imóvel. Seria apenas a emoção do momento?
Talvez tenha sido, também. O certo é que de seguida confessou que uma vertigem o tinha acometido. A debilidade física causada pelos muitos tratamentos médicos a que se tinha vindo a sujeitar e talvez as emoções vividas naquela manhã, apareciam neste momento a toldar um pouco o final da visita.
Despediu-se de nós militares no fim da prancha tendo-se para tal libertado dos braços dos familiares que o amparavam.
Ali estava ele Marinheiro, como sempre, a responder, apesar do seu mau estar, ao cumprimento de despedida.
Uma hora depois telefonou-me a agradecer a visita e a dizer-me que não me preocupasse pois o seu estado de saúde tinha melhorado.
Infelizmente, um mês e meio depois de se ter despedido deste seu sonho, despedia-se também da vida, deixando em todos nós um grande sentimento de perda.
Num calendário de bordo, na parte museológica, passou a figurar uma data, 29 de Maio, para que não nos esqueçamos do dia em que partiu para navegar naquele outro mar distante na viagem que agora iniciou…
Sei que encontrará bons ventos e mar de feição. Até sempre.
(A família e todos os seus amigos encontrarão decerto consolo na memória que perdura… a de um grande Senhor, grande Marinheiro e invulgar ser humano, com quem tivemos o privilégio e a honra de conviver).
José António de Oliveira e Abreu
Capitão de Mar e Guerra (Fuzileiro)
Actual Comandante da
Fragata D. Fernando II e Glória
2008
2 comentários:
Companheiros e amigos,
O Sr. Almirante António Andrade e Silva, foi, crei eu, o principal dinamizador para que a Fragata D. Fernando II e Glória fosse reconstruida, depois de decorridos anos de "agonia" no "mar da Palha". Agora temos a "nossa" Fragata pronta a navegar e transformada em Museu. Todos nós ex-alunos devemos estar gratos a quem promoveu e ajudaram financear a reconstrução da Fragata. Assim já podemos mostrar aos nossos filhos e netos dizendo que foi aqui, nesta nau, que fomos acolhidos nos tempos em que nossos pais não tinham condições de nos educar. Em 1940, foi criada uma instintuição que foi dada o nome de: Obra Social da Fragata D. Fernando, e se instalou na referida Nau, por onde passaram vãrias geraçõres de alunos em que eram acolhidos, educados e orientados no futuro de suas vidas. Assim, deixo à reflexão a pergunta, de todos os ex-alunos e meus compnheiros e amigos, quem fundou a Obra Social da Fragata D. Fernando e manteve-a no aspecto económico e financeiro?
Companheiros e amigos um abraço forte com amizade do ex-aluno de nome: Joel Costa Inácio e nº. 15 - 1963 e 1964
joel.c.inacio@gmail.com
Companheiros e amigos,
O Sr. Almirante António Andrade e Silva, foi, crei eu, o principal dinamizador para que a Fragata D. Fernando II e Glória fosse reconstruida, depois de decorridos anos de "agonia" no "mar da Palha". Agora temos a "nossa" Fragata pronta a navegar e transformada em Museu. Todos nós ex-alunos devemos estar gratos a quem promoveu e ajudaram financear a reconstrução da Fragata. Assim já podemos mostrar aos nossos filhos e netos dizendo que foi aqui, nesta nau, que fomos acolhidos nos tempos em que nossos pais não tinham condições de nos educar. Em 1940, foi criada uma instintuição que foi dada o nome de: Obra Social da Fragata D. Fernando, e se instalou na referida Nau, por onde passaram vãrias geraçõres de alunos em que eram acolhidos, educados e orientados no futuro de suas vidas. Assim, deixo à reflexão a pergunta, de todos os ex-alunos e meus compnheiros e amigos, quem fundou a Obra Social da Fragata D. Fernando e manteve-a no aspecto económico e financeiro?
Companheiros e amigos um abraço forte com amizade do ex-aluno de nome: Joel Costa Inácio e nº. 15 - 1963 e 1964
joel.c.inacio@gmail.com
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