Faz hoje 56 anos que deflagrou um incêndio a bordo da Fragata D. Fernando II e Glória. Escola de que fui aluno aos 13 anos de idade, e que também contribuiu para moldar a minha personalidade e o homem que sou.
Carlos Vardasca
O incêndio da última nau da Índia
Pesquisa e texto: Luís Miguel Baptista efectuada em 2017
3 de Abril de 1963 – Há 54 anos, um violento incêndio destruiu, na sua quase totalidade, a última nau portuguesa da chamada "Carreira da Índia": a fragata D. Fernando II e Glória, mantida ao serviço da Marinha Portuguesa entre 1845 e 1878.
A data, sem dúvida marcante, figura no historial dos Bombeiros Voluntários de Almada e de Cacilhas, pois tiveram de acorrer ao combate às chamas, o que constituiu uma complexa missão.
Fundeada no Mar da Palha, em pleno estuário do Rio Tejo, aquela embarcação servia então de sede à Obra Social Fragata D. Fernando, instituição destinada ao acolhimento de rapazes oriundos de famílias de parcos recursos económicos e que ali recebiam instrução escolar e treino de marinha.
Faíscas resultantes de trabalhos de soldadura de um tanque de gasóleo estiveram na origem do incêndio, alastrando rapidamente por toda a estrutura, a ponto de transformar o convés num enorme braseiro.
A bordo estavam 137 jovens e pessoal afecto à Obra Social, alguns dos quais, apesar do atempado salvamento levado a cabo pela Marinha e pelos bombeiros, não deixaram de sofrer pequenas queimaduras e ferimentos ligeiros.
Imprensa da época, nomeadamente o "Diário de Lisboa", dá testemunho de que a extinção das chamas se tratou de "um trabalho abnegado, mas inglório, pois não era possível chegar aos focos de incêndio, localizados nos porões onde todo o madeiramento ardia. A concepção da fragata, as madeiras, os alcatrões e sucessivas camadas de tinta não deixavam que a água vencesse o fogo".
No livro comemorativo dos 120 anos da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Cacilhas, da autoria de Victor Neto, o saudoso chefe Severiano Durão conta que as viaturas e demais material de incêndio seguiram de ferry boat até à fragata sinistrada. As operações processaram-se com enorme dificuldade, devido a intenso fumo, vendo-se limitadas ao lançamento de jactos de água pelas aberturas disponíveis.
"Estive mais de cinco horas agarrado a uma agulheta de 70 mm", recorda o mesmo operacional, falecido em Outubro de 2013, revelando que "já mal sentia os braços".
Por sua vez, no decurso das operações, ficou célebre, um nobre e apreciável gesto patriótico praticado pelos bombeiros, aliás, descrito na "Revista de Marinha", que aqui recordamos: "(…) vendo que a Bandeira Nacional estava prestes a ser consumida pelas chamas, se prontificaram para a 'salvar'. Assim num ambiente de incêndio, enquanto os dois Mestres movimentavam a adriça para arriar a Bandeira, os Bombeiros perfilados e em Continência, indiferentes às chamas e ao denso fumo que já os envolvia, prestavam a última guarda de honra à Bandeira que ali drapejava há muitos e muitos anos".
O chefe Durão fez parte dos intervenientes. "Corremos um enorme risco para salvar a Bandeira Nacional que se encontrava hasteada, tendo ficado algo chamuscada", relata. Todavia, mais tarde, viria a dar-se um caso insólito e penalizante: apesar do cuidado colocado pelos bombeiros de Cacilhas, que dobraram e guardaram a bandeira em cima da bomba com que trabalhavam, aquela, estranhamente, desapareceu.
Após o incêndio, a fragata – “uma carcaça vencida pelo fogo", conforme referenciado pelo "Diário de Lisboa", na edição do dia subsequente ao incêndio – foi adernada e permaneceu encalhada durante 29 anos.
Somente intervencionada a partir de 1992, a fim de ser submetida a um aturado processo de reconstrução, a D. Fernando II e Glória é hoje um pólo de atracção turística, encontrando-se visitável em Cacilhas, no Largo Alfredo Diniz, junto ao terminal fluvial.
Artigo escrito de acordo com a antiga ortografia
Site do NHPM da LBP:
Comandante José Brás, dos BV de Almada